Amostra - Apenas querem se divertir (Vol. 1)

Primeiras páginas do livro "Apenas querem se Divertir"

Moura de Jesus

4/5/202520 min read

Capítulo I — Pequeno deslize

Pequenos deslizes são tão insignificantes e saborosos, ai se não os cometermos! A vida é cheia deles; ela, tão deslizante, impossível não pisar em falso. Bons pecados! Cometê-los não acarretará problemas. A vida foi feita para o deleite!

Adolescentes bem o sabem, são destemidos, aventureiros e inconsequentes; nem todos, porém, a maioria. Sabem viver! Quando sentem vontade, pegam um esqui e vão embora morro abaixo, pouco se importam com o que poderá haver no meio do caminho e lá embaixo. Não são culpados, “apenas querem se divertir”! Os adultos que adoram culpá-los, esquecem-se do quão era bom experimentar o mundo. Sem contar o quanto atordoado é o desenvolvimento do corpo e da mente. Como se não bastasse essa guerra de consciência e de hormônios, tem-se a dureza de viver em sociedade; ajustar-se a ela; ser aceito...

O que cabe aos adultos, uma boa orientação e muito amor e carinho. E só agem assim, com rigidez, porque sabem que às vezes, um deslize vira um escorregão que causa sérios danos, irreversíveis, lesões que marcam para sempre, cicatrizes.

Quando é a vida que está em jogo, quem não abusar muito da sorte, bom jogador será!

Nossa aventura inicia-se no ano de 2003, nessa primeira década do século XXI, a sociedade timidamente e aos poucos passa a ver e viver os resultados de décadas de luta por justiça e por respeito que ainda embate e continua. Apesar de a internet e os telefones celulares começarem a se popularizar, nem todos ainda tinham acesso, bem como, no início da década, não havia os smartphones e as redes sociais virtuais eram impensáveis pela maioria da população, entretanto, as pessoas tornam-se cada vez mais conectadas, favorecendo mobilizações conjuntas.

Por falar em adolescentes, vou contar a história de um, Rubens Vereda, mais conhecido como Ru. Com seus 16 anos, em plena explosão hormonal, faminto por explorar o mundo com suas novas sensações, sedento por novas descobertas. Descrevendo-o mais, não é tão alto, é magro, seus cabelos e olhos são escuros, veste camisetas preferencialmente pretas e aqueles acessórios e apetrechos do momento, característicos da idade; no entanto, não pertence à tribo alguma. É inteligente, porém não se decidiu da carreira que quer seguir e isso nem lhe passa mais pela cabeça. Acabou de entrar no segundo ano do ensino médio de uma escola pública, mas só estuda por que é obrigado. Sua vontade era mesmo de ficar o dia inteiro sem fazer nada... Ele vive numa cidade de porte médio do interior com seu pai, Sérgio e com sua irmã, Mile na. O rapaz é amoroso com seus familiares. Consideram-se pobres, porque o dinheiro só dá para a sobrevivência, mas sobra um pouquinho para a diversão e às vezes para o supérfluo, por exemplo, não é sempre que viajam e não podem ter tudo o que querem.

Finalmente chegou sexta-feira e a cidade toda parece viver em ritmo de verão; os carros cantam, as pessoas sorriem, alguns bares já estão movimentados; o melhor dia da semana! Ru acabou de sair da escola, já se passa do meio-dia e antes de ir para casa, foi fazer o que mais adora! Respirar cidade, ver gente, carros, prédios, lojas, ruas, luzes, estátuas, grafites... Toda sexta depois da aula, passeia pela cidade para agitar seu fim de semana, admirando o mundo com muita alegria e feliz por fazer parte dele.

No meio do seu passeio, por coincidência, encontra seu colega Gustavo que, pelo visto, não foi à aula.

Guga é um leal companheiro, inteligente e bem-humorado, gosta de fazer o que é certo, exceto matar aulas de vez em quando e não é nada organizado em casa. É vaidoso, anda bem-vestido, perfumado, preocupa-se com o visual para chamar a atenção das garotas. Está a experimentar os prazeres da juventude e à procura de um relacionamento bacana.

Os dois são amigos de classe e desde a infância, exatamente há nove anos, meninos do mesmo bairro que brincavam e faziam suas artes; passou-se o tempo e a amizade ficou, dividem tristezas e felicidades como irmãos e ainda aprontam juntos como quando crianças.

Ru pretende dar uma festa hoje, aproveitando-se de que seu pai não está em casa e quer chamar todos da escola para aumentar sua popularidade e é claro que Guga não pode faltar.

— E aí, Guga? Você vai a minha festa hoje?

— Claro, brô, você acha que eu aqui vou perder essa? — não se dispensou Guga.

— Então, mano, você vai lá em casa me ajudar a arrumar tudo para a festa?

Por que Rubens tinha de chamar Guga para ajudá-lo? Ele é tão preguiçoso para os afazeres domésticos, foge da mãe quando ela lhe solicita ajuda. Em vez de confirmar, o esperto responde com outra pergunta:

— Que horas?

— Logo depois do almoço. Vamos já limpar a casa, depois botar as bebidas para gelar etc.

— Ru, não vai dar, não!

— Conheço o tipo de amigo que você é! Dá mancada na hora que a gente mais precisa...

Guga, velhaco, para safar-se, tira aquela desculpa cheia de teias e poeiras do fundo do baú:

— Não, mano, é que eu tenho que ir ao curso.

— Tá, sei... que desculpa mais esfarrapada! Deu até dor de barriga! Desde quando você faz curso?

— Claro que eu faço! Eu faço curso de espanhol desde o começo do ano, você não lembra? — perguntou Guga, aproveitando que a memória do amigo às vezes é falha.

Desanimado, Rubens contenta-se com sua última alternativa que tem:

— É mesmo, tinha até esquecido... Mas pode deixar, minha irmã me ajuda.

Ru, com sua mente dispersa, nem liga mais para o que antes dizia e lembra que o amigo faltou à aula e muda de assunto:

— E o que você faz aqui em vez de ter ido à escola?

— Tá ligado? Eu matei aula para ficar com a Larissa.

— Olha que largo! Matando aula para beijar, e nós lá camelando. Hoje tivemos trabalho de Literatura e você perdeu.

— Valeu a pena perder, eu estava ficando com a mina mais gostosa da escola.

Ru mal conhece a garota e já lhe aponta defeitos com machismo:

— A mais gostosa e, digamos, a mais sem-vergonha da escola.

— Invejoso! Você tá tirando só porque eu fico com as minas e você fica aí chupando dedo!

— É que você não viu minha mina ainda, a Fabiana quebra! — entrou Ru em uma das disputas típicas de adolescentes: quem “fica” com a garota ou o garoto mais bonito.

Mas Guga tem suas dúvidas, pois seu amigo nunca admite estar na lama.

— Será que ela é isso tudo que você diz?

— Então cola lá na minha festa para você ver se ela não quebra.

— À noite eu colo lá na sua casa. Firmeza?

— Firmeza!

Eles se despedem e Ru vai para casa. Não vai continuar seu passeio, está ansioso para a preparação da festa. Ao chegar, o chão da espaçosa sala está numa limpeza impecável, mas as janelas estão fechadas, a luz, acesa, apesar de ainda ser dia e uma nuvem de fumaça estagnada ofusca o ambiente. Vê que sua irmã também não foi à aula hoje e está esparramada no sofá lendo uma de suas divertidas revistas de fofocas, rindo sozinha e fumando um cigarro.

Milena é uma garota muito sincera, às vezes é irascível, teimosa e dona da razão; como ela diz, “uma típica taurina”, mas, na maioria das vezes, é um amor de pessoa, tolerante, tranquila e criativa, resumindo, dá para se viver com ela. É apenas um ano mais nova que o irmão, está sempre alegre, pinta os cabelos quase sempre, uma vez de cada tom, usa um piercing de argola no lábio inferior, é baixinha, muito engraçada e benquista por todos. Seu único mal é o cigarro que fuma, começou muito cedo e não adianta mais seu pai brigar por conta disso que a menina não larga seu vício amarelento. Quando Rubens chama sua irmã pelo nome completo significa que está lhe chamando a atenção, todos da casa fazem isso.

— Milena Maia Vereda, posso saber por que você não foi à aula hoje?

— Eu fiz faxina na casa a manhã toda, me deu uma preguiça... Ah! e hoje tem aula de Educação Física, odeio! A professora só deixa os meninos jogando futebol e as meninas, vôlei. Que antiguidade!

— Mas Educação Física faz bem para a saúde.

— Se eu quiser emagrecer, faço caminhada com o Nando e ainda a gente paquera uns gatinhos no caminho — finaliza a frase com risinhos.

— Ainda bem mesmo que você faltou hoje, porque você vai me ajudar a arrumar a festa. Metade do trabalho você já fez que foi arrumar a casa. De pois um pessoal vai trazer umas bebidas e a gente põe para gelar.

Desanimada com a possibilidade que seu pai descubra e sem tirar os olhos da revista, resmunga:

— Deixe o velho ficar sabendo que você deu uma festa enquanto ele estava fora... Você vai ficar encrencado!

Ainda bem que nesta casa ninguém tem amizade com os vizinhos, por isso, Ru acha que a única maneira de seu pai saber é se um dos dois contar, então conclui:

— Se você não abrir a boca...

— Se você também não abrir a boca...

— Então vamos logo e jogue esse cigarro fora que enfumaçou toda a

casa! Aqui parece o Pico da Neblina, você não abre uma janela!

— Se depois você me comprar um maço, eu jogo.

— Eu não vou sustentar vício de marmanjo! — exclamou Ru como se não fosse um sustentado pelo papai.

Apesar da discussão, Rubens e Milena amam-se muito. Seu pai viaja sempre a trabalho, grande parte da semana fica longe dos filhos e tem feito isso há quatro anos, assim, eles ficam sozinhos, cuidam-se e protegem-se. Têm de se virar, tornaram-se independentes, mas não financeiramente. A única coisa que lhes falta é juízo na cabeça.

A tarde toda foi dedicada à festa: providenciaram os comes e bebes, afastaram alguns móveis, decoraram, convidaram amigos.

Perfeitamente a noite está estrelada e parece que não há previsão de chuva. Com certeza a festa de Ru vai ser um sucesso! Na hora da festa, cada vez mais chega gente, do jeitinho que ele gosta para todos comentarem na segunda-feira na escola. Guga vem à festa com as unhas das mãos feitas de tanto roê-las; está tão curioso para saber como e quão bela é a garota do amigo.

— Ru, cadê a mina que você me falou?

— Olá para você também, doidão! Ela ainda não veio!

Profeticamente a festa “bomba”, muitos comparecem, parecia festa de celebridades, claro que mais pobre... Com tanta popularidade, Rubens pode ria candidatar-se a vereador!

Dá um tempo, a festa “vai rolando” e a “mina” tão esperada chega. Fabiana é uma patricinha que adora gastar com roupas, sapatos e outras futilidades, mas nada disso atrapalha sua beleza. Tem um lindo sorriso e um olhar envolvente que facilmente enfeitiçaram Rubens.

— Olhe lá, Guga, a Fabiana chegou! — disse Ru, apontando Fabiana ao amigo e todo orgulhoso exibindo seu “troféu”.

Desta vez, o amigo surpreendeu Guga que, de queixo caído e quase sem palavras, apenas diz:

— Ru, você tem razão, a mina é a maior sereia!

— Suma de perto que eu não quero ninguém segurando vela! Mas antes vou apresentá-la a você. Você é meu “brô”, como você diz.

Fabiana aproxima-se e Ru apresenta um ao outro:

— Fabiana, este é o Guga. Guga, esta é a Fabiana.

Eles se cumprimentam:

— Prazer eu sou o Guga.

— Oi, Guga. Prazer, eu sou a Fabi — cumprimentou Fabiana.

Ru dá um empurrãozinho em Guga como quisesse dizer ao amigo que não fique muito em cima de sua garota. Ele compreende.

— Bom, galera, deixe-me parar de pagar de vela aqui que pega mal!

Antes de se distanciar do casal, ele vê Camila, uma garota da escola que é “a fim” do Ru e o fofoqueiro comenta com Fabiana:

— Está vendo aquela mina ali?... Ela paga um pau para o Ru.

— Essa pulguenta que experimente dar em cima do meu gato que eu esfrego a cara dela no asfalto.

— Pode deixar que eu só dou o fora nessa jequinha da Camila, só a convidei porque chamei todos da sala — explicou-se Rubens.

Camila é uma garota um pouco tímida, é bonita, porém se veste a seu próprio estilo, não seguindo o que está na moda. Dedicada, tira boas notas na escola, rotulam-na de CDF, tudo a torna impopular. A coitada é apaixonada por Rubens, mas nunca teve coragem de dizer a ele, embora todos que a conhecem, já o sabem, porque inventou de contar à fofoqueira da sua ex-melhor amiga.

Guga vai a outro canto para deixar os pombinhos a sós e para não queimar a mão com cera. Convenceu-se de que o amigo, nesta disputa, ganhou! Mas não da disputa de quem fica com o maior número de garotas, nesta, o Guga está disparado à frente.

Esta festa é proibida para menores, tem bebida e tudo o que se possa imaginar. Porém, quase todos desta festa são menores, esperemos que a polícia não apareça! Ru e Fabi “ficam” o tempo todo, embriagam-se um pouco e a partir de então, começam a beijar-se e acariciar-se mais sensualmente, ela, mais experiente, sugere algo mais com Ru além de beijos:

— E aí, vamos?

Ele, todo inocente, pergunta:

— Vamos aonde?

— Você é muito devagar, Rubens! Se eu já me acho uma lerda, você é

uma ameba gigante!

Então ele capta o que ela queria dizer:

— Ô!... Tava demorando!

Por essa, hoje Ru não esperava. Finalmente uma garota quis transar com ele! Era o que ele mais queria e esperava até este momento de glória. Agora sim sua noite está perfeita e nada no céu é maior que sua felicidade. Eles vão ao quarto de Ru, ele abre a porta e, para surpresa dos dois, lá está um casalzinho “se pegando”. Para não perder tempo e não deixar que safadezas alheias aconteçam em seu doce lar, Ru os despacha:

— Vaza! Que a minha casa não é motel, não!

— É isso mesmo, xô! — completou-o Fabiana.

Ru e Fabiana ficam a sós. Ele está com tanta vontade dela que a agarra fortemente; beija-a vorazmente; beijam-se; ao encostar-se à cama, ele a deita. Mãos deslizam sobre os corpos; abençoado foi o dia que surgiu o tato! Puxam-se os panos enquanto se beijam; despem-se aos poucos e ele maravilhando-se daquele corpo de mulher a sua frente. Quando já estão nus, ele sente a pele dela com seu corpo todo, como nunca sentira antes, um calor bom, poderia até mesmo ter seu orgasmo agora, mas se aguentou para deixar para depois. Para controlar as forças, tenta distrair-se um pouco, então, lembra-se de algo, não era sua consciência a falar-lhe, mas era automático, em todo o lugar ouve-se falar disso. Ele comenta com Fabiana:

— Espere um pouquinho, gata, vou pegar a camisinha na gaveta.

— Não! Pode deixar, eu tomo pílulas, não vou ficar tão excitada se você puser esse troço! Prefiro sem! E prometo fazer o que você quiser.

— Delícia! — exclama Ru, ávido ao observar o corpo dela.

Assim, a troco de sentir a carne na carne, transaram sem proteção. Um pequeno deslize somente...

Capítulo II — Ilusão

Ficaram juntos a noite toda, e transaram outra vez sem preservativo. Bem cedo de manhã, ela acordou, fez sua cara de chupar limão, vestiu-se e foi embora. Mal se despediu; apenas um beijo insosso, nem um carinho, mais nada... Ru pouco se importou com isso, ficou extático, assim mesmo, com “x” e também com “s”, estático, parecia que seu espírito saíra do corpo e fora voar nas nuvens, conseguiu até mesmo ver duendes brincando no jardim em volta do pote de ouro no fim do arco-íris.

O fim de semana inteiro pensou em Fabiana; nosso amigo apaixonou-se, apesar de mal a conhecer. Entregou-se à fantasia, fez dezenas de planos ao lado da garota, imaginou apresentando-a a sua família e a seus amigos; passeando domingo à tarde de mãos dadas no shopping; dando-lhe flores e presentes em seu aniversário, Dia dos Namorados, Natal... Tanto no sábado quanto no domingo, ela não ligou e ele toda hora olhava ao telefone. Na segunda, a mesma coisa, ele queria tanto telefonar, mas achou que assim estaria muito no pé da menina. Quando foi terça, não se conteve, pegou o telefone e digitou tão rapidamente que as teclas macias de borracha lhe pareciam duras de pedra.

— Alô. Quem é?

— Com quem você quer falar? — respondeu Fabiana com outra pergunta para não se identificar a estranhos.

— Com a Fabiana.

— Quem está falando?

— Não reconheceu minha voz?

— Fale logo quem é, senão vou desligar!

— Não desligue, sou eu, o Rubens!

Ela ficou sem falar por alguns segundos, mas prosseguiu:

— Oi fofuchinho, como está?

— Estou bem.

Sinceramente ele queria dizer que estava morrendo de saudade, que queria abraçá-la e beijá-la, mas pensou bem e preferiu dizer que estava bem. “Acho melhor não ser muito eufórico, se eu fizer isso tão cedo, espanto a garota!”, pensou.

— Que bom que você está bem, Rubens.

— Você está a fim de sair nesta semana?

— Então...

Xi! O “então” seguido de reticências sempre antecede uma desculpa.

— ...nesta semana não vai dar, estou com cólica e enxaqueca, vai ser melhor ficar em casa.

Ele ficou muito chateado com o dito. “Por que tinha que estar de TPM?!”, pensou egoisticamente, nunca passou por essa situação, por isso é fácil julgar! Queria tanto poder ver como ela está e, se possível, cuidar dela, porém, achou mais educado não se convidar para visitá-la.

— Que pena, vai passar logo!

— Minha enxaqueca custa a passar, mas semana que vem te ligo, gato! Beijos.

— Beijo, gatinha, tchau.

Eles se despediram, Ru ficou tão feliz em falar com sua “ficante”, mal vê a hora de chegar a próxima semana.

A fera foi acalmada, nestes dias nem discutiu com Milena, fez obedientemente os deveres de casa, mesmo com a ausência do pai. Nesta semana, além de não ver Fabiana, também não viu mais Guga que não tem aparecido na escola. No dia seguinte, quarta-feira, depois da aula, em vez de almoçar, resolve ir à casa do amigo ver o que há. Ele toca o interfone e Guga atende um minuto depois com uma voz mole e fraquinha:

— Quem é?

— Sou eu, o Ru.

— Pode entrar, brô. Não estou bem, minha mãe saiu, mas deixou o portão aberto.

Ele preocupa-se com o amigo e abre o portão, chega à porta e o amigo está lá a destrancando.

— O que aconteceu com você, mano?

— Fiquei muito ruim nesta semana.

— Foi alguma coisa que você comeu na minha casa no dia da festa?

— Foi sim, aquela porcaria horrorosa que você fez! Você tem noção de higiene, Ru? Deve ter coçado o rabo e depois mexido na colher!

Ru fica envergonhado e triste pelo amigo ficar doente devido a sua comida e se desculpa:

— Desculpe, Guga, lembro que eu e a Milena lavamos as mãos! Nem moscas tinham naquele dia em casa! Aliás, ninguém mais ficou ruim de pois da festa... Que eu saiba, só você.

Guga começa a rir.

— Seu tonto! Não foi sua comida!

Rubens ficou com raiva, mas momentaneamente, alguns segundos apenas, depois passou, não consegue ter raiva do amigo.

— Só não bato em você porque está doente!... Afinal, o que você tem?

— Ultimamente ando com dores de barriga, fraco, febril, não consigo comer. O caso é um pouco mais sério que uma virose qualquer, descobri que tenho tumor no intestino.

Quando Ru ouve “tumor”, isso o faz pensar o quão frágil é a vida. Logo seu melhor amigo, seu irmão, ficou a um sopro do abismo. “Não, não! Impossível acontecer!”, assim pensou.

— Você não está de brincadeira de novo?

— Não, Rubinho, é verdade! Mas o tumor é benigno, só vou ter de operar.

— Você adoece e não avisa! Se você morrer, acho que nem ficarei sabendo.

Otimista, Guga nem pensa em morrer agora:

— Nem me diga! Não vamos falar mais de morte. Somos fortes e chegaremos aos cem anos e ainda pegaremos muitas vovós.

— Nem quero ficar velho, deus que me livre! Prefiro morrer antes. Guga avisara-o para não falar mais sobre a morte e olhou-lhe com as sobrancelhas juntas.

— Não vou mais falar de morte, certo?

— O.K. Mas, brô, só não o avisei antes para não o deixar preocupado, a operação será um sucesso. Eu e meus pais achamos melhor manter segredo, mas estou contando a você e minha mãe avisou a diretora da escola. Vou me tratar em Brasília, pois é meu pai quem tem grana.

— Então, já era! Você vai sair de lá curado! Quem tem dinheiro neste país, não morre tão cedo, pode ficar tranquilo!

— Eu não curto muito aceitar o dinheiro do meu velho, mas neste caso, é minha vida que está em jogo.

Ru havia vindo à casa do amigo para contar-lhe as novidades de seu relacionamento, mas achou egoísta, numa hora destas, falar sobre si. Ele está com muita pena do amigo, uma sensação de perda. “Melhor não pensar o pior!”, imaginou e logo veio a sua cabeça a cena do dia em que conheceu Guga que na época era Gugu e, então, ficou um pouco mais feliz.

Sexta-feira o preguiçoso do Ru dormiu depois do almoço e no meio da tarde o telefone toca, acordando-o. Ele vai à sala atender.

— Alô.

— Alô, Rubinho, sou eu, o Guga. Estou indo a Brasília, daqui a dois dias vou ao médico de lá e te aviso quando for minha operação.

— Tudo bem, vai dar tudo certo! Pode confiar! Daqui uns tempos você estará de volta, com saúde de ferro!

— Valeu, brô. Você mora aqui no meu coração!

— Tá! Vai dar tudo certo, sim! Se deus quiser! — disse Rubens, sentindo-se estranho por usar essa expressão fora de costume, mas que achou que seria confortável ao amigo.

Rubens não é muito crente, dificilmente pensa em alguma força maior regendo o universo; seu cotidiano, sua juventude e por sentir que a vida lhe foi injusta permitindo que sua mãe o deixasse tão novo; largou deus de lado, arquivado; quando precisar é só abrir a gaveta.

Guga viajou e Ru nem lhe contou sobre o dia da festa, para quem contaria? A Milena? Não se pode dizer que Milena seja jovem demais para ouvir essas coisas, porque ela já sabe de tudo, porém, acha que é melhor evitar falar disso com a irmã.

O desejo de desabafar-se com alguém e horas e horas longe de sua paixão deixavam-no ansioso, tanto que ele nem se importou com o fim de se mana, queria mesmo era pôr os pés na segunda-feira e firmar-se; sentir-se-ia bem seguro, sábado e domingo foram-lhe tão vazios e longos. E veio, então, segunda-feira, depois terça e quarta. No meio da tarde, ele ligou, ninguém atendeu. Ficou o tempo todo ligando e ninguém atendia. Às 22 horas parou porque é incômodo, mas por ele, não pararia até alguém atender. Angustia do e sem unhas para roer, roía a mucosa dos lábios à frente dos incisivos até que ficou áspera e escoriada. Demorou a dormir e mal conseguiu acordar no dia seguinte, foi à aula só em corpo presente, porque seu espírito faltou e ficou na cama. No almoço, comeu só um tanto, o resto jogou no lixo, estava abatido, já imaginava que ela não queria mais nada consigo, “acho que na hora agá, eu falhei. Poxa vida! foi minha primeira vez, com o tempo eu faria melhor...” Depois do almoço, ligou e seu dedo calejou ao anoitecer. À noite, quando terminou o banho, foi ligar pela última vez. “Agora talvez ela esteja jantando, deve estar em casa, vou tentar só mais esta vez!”, supôs. Ru digitou os números de vagar, já com a ideia que houvesse uma maior probabilidade de ela não atender. Quando de repente, atenderam:

— Alô.

Aquela voz não era dela, ele reconheceria muito bem, espere! É uma voz masculina, pode ser o pai dela que encontrou o celular que ela havia esquecido em algum lugar. Ele fica feliz, mas, ao mesmo tempo, pensa: “ninguém merece falar com pai ainda quando se está só ficando!”

— Alô, eu queria falar com a Fabiana.

— Que Fabiana? Não conheço nenhuma Fabiana!

— Mas esse é o número do celular dela.

Ru disse-lhe o número que discara e o rapaz respondeu:

— Tá, é este mesmo o meu número. É que eu comprei este celular e já veio com o chip, ainda não troquei... Não me ligue mais que vou jogar este chip fora!

— Então esse celular foi roubado, né?!

O rapaz nem respondeu, desligou e Rubens ficou furioso. “Que zica! O único contato que eu tinha com a mina, foi roubado!”, não se conformou Ru.

Mas tudo era combinado, foi um colega de Fabiana, Lúcio, que fez um favor para ela. Ru caiu direitinho no plano dos outros dois. Apesar de nada ter resolvido, porque Ru ainda tem esperança de a garota o querer, custava nada Fabiana dizer que não queria mais e ponto final.

Fabiana é arguciosa, ainda mais quando dinheiro está em jogo; foi criada num ambiente em que os bens materiais são mais importantes do que as pessoas. Pudessem enxergá-la por dentro, aí veriam a megera com fuça de rata que é.

Quando Lúcio desligou o celular, ela caiu na risada:

— Lúcio, você é muito bom, nem riu, deveria fazer teatro.

— Eu não! Eu vou fazer Engenharia Química e trabalhar na Petrobras!

— Mas valeu, meu amigo! Eu não aguentava mais aquele cara me ligando o dia todo! Vou jogar o chip na cratera dum vulcão.

— Você é louca, garota, a mesminha de sempre. Pena que a nossa galera se desfez e cada um foi para um canto.

— Pena nada! Você era o único que se salvava, não sinto falta de ninguém!

— Agora que tudo foi resolvido, vou embora, Fabi, estou estudando para o vestibular. Mas quando precisar, me chame ou me ligue.

— Você mudou muito! Responsável, estudando... Parabéns!... Mas você ainda tem aqueles contatos?

— Sou cheio de contatos, ainda faço um favor aqui outro acolá e a amizade crescendo.

— Muito bom saber, se precisar de algo, te ligo.

— Vou-me então, beijos.

Eles se beijam no rosto e ele se vai. São amigos há um bom tempo, mas ultimamente não se veem muito.

Ru, ainda esperançoso, buscou em sua memória, algum contato com Fabiana. Sua cabeça já não estava muito boa, muito menos o programa de busca. Quando foi à cozinha pegar um copo de leite, lembrou-se de que conhecia a prima de Fabiana: “por que não pensei nisso antes? A Sabrina, é claro! Ela deve ter contato com a prima!”. Ele voltou a se contentar e foi dormir leve como uma pluma. Acordou com uma disposição de atleta, sorria no espelho que foi até mais fácil escovar os dentes. Pegou o material e foi à aula. No intervalo procurou por Sabrina e quando a viu, correu até ela.

— Sabrina, olá, como vai?

— Vou bem, querido, e você?

— Vou levando...

O “vou levando” é tão útil para quando estamos mal, mas não queremos dizer ou todo o contrário também.

— Sabrina, você tem o endereço da sua prima?

— É bom você não falar muito dessa garota comigo — respondeu com o beiço torto.

— Mas...

— Escute aqui, se você quiser o endereço, tudo bem, eu passo, mas não me fale sobre ela!

— O que ela lhe fez?

— Ela disse que eu era muito gorda para andar com ela, que se eu quisesse continuar do seu lado, eu teria de comer só um tomate-cereja por dia. Isso não tapa nem o buraco do meu dente! Além do mais, ela contou uns segredos meus para minha mãe e para muita gente. Eu deveria também contar os segredos dela por aí, mas não sou como ela. Posso até não estar de acordo com os padrões desta porcaria de sociedade, esta falsidade, mas te nho dignidade!

— Que segredos dela são esses?

— Segredos de família.

Ele não ousou mais abrir a boca, nem para respirar, muito menos para perguntar. O ódio que ele via nos olhos de Sabrina dizia-lhe que era algo muito sério.

— Está aqui. Anotei o endereço dela. Se eu fosse você, tomaria cuidado com essa daí! Nem iria mais atrás. Se ela quisesse algo, ela já o teria procurado.

Ru não soube muito bem como agir ao que ela disse, apenas tomou o papel de sua mão, agradeceu e foi caminhando. Quando estava dez passos longe, ela gritou:

— Espere! Volte!

Ru deu meia volta.

— Sai dessa, Ru! Você não deve se entregar, a Fabi não presta! Semana passada ela estava ficando com outro garoto.

O coração dele congelou na hora e endureceu; sua pressão caiu, ele queria despencar junto, jogar-se do viaduto e ser esmagado por um caminhão. Ao fundo de seu campo de visão tudo se enegreceu, a vida perdeu-lhe a cor.

— Chega! Muito obrigado por me deixar feliz sabendo... — disse irônico.

— Só quis ser amiga. A verdade pode até doer no começo, mas lá na frente você vai ver o quanto foi bom ela ter vindo à tona.

Ru saiu dali sem dizer mais nada, não chorou porque quis parecer forte e compreensivo. Antes do horário de a aula terminar, pegou suas coisas e pediu dispensa. Foi para casa, viu que Milena ainda dormia e trancou-se em seu quarto. Lá as paredes escondiam um garoto a chorar. Planejou mil e uma maneiras de suicídio. Queria sua “mina” de volta, não podia acreditar que ela o trocou por outro. Infelizmente assim é a vida, nem tudo é como imaginamos.

Nos dias seguintes, Ru fechou-se muito. Milena percebeu que o irmão andava amuado, ela não suporta ver ninguém triste; muito docemente deu um abraço no irmão, não falou e não perguntou nada. Ela sempre busca entender as pessoas da família, sabia que se abrisse a boca, poderia machucar mais o irmão, então delicadamente o abraçou. Nada melhor que um abraço, ele segurou-se para não chorar, guardou tudinho e chorou por dentro, mas, ao mesmo tempo, estava a salvo no abraço da irmã. “Ainda bem que tenho você!”, imaginou Rubens sentindo o amor da irmã.

Você leu os 2 primeiros capítulos de "Apenas querem se divertir"

Quer continuar a leitura?

ADQUIRA JÁ!

Livro físico

O bom e velho cheirinho de livro novo.

Ebook

Versão eletrônica em diversas lojas.

Kindle Unlimited

Disponível somente na Amazon.
Ebook geralmente em promoção!